A HISTÓRIA DE FÁBIO E DE ALBERTO
Algumas situações vividas por um homem casado que é pai quando percebe que precisa
assumir sua homoafetividade.
A primeira certeza que esse homem tem é que ele quer ficar próximo dos filhos; seu desafio é
restabelecer a rotina familiar, uma vez que não está mais casado, integrando desta vez sua
orientação homoafetiva.
A grande maioria dos pais que conhecemos e que tem envolvimento homoafetivo é separado
da mãe de seus filhos e tem uma rotina de cuidados muito semelhante à dos pais divorciados.
Ele se casa porque estava apaixonado por essa mulher, se torna pai, constrói um lar, uma
família, ele define essa fase como muito feliz. A partir do momento que se apaixona por um
homem, eles se dá conta da impossibilidade de manterem o casamento. Muitos desses pais
referem ter tido uma atração por homens na adolescência porém se apaixonaram pela mulher
mãe de seus filhos o que foi uma garantia de que sua orientação era heterossexual. Não se
casaram para evitar a homossexualidade, ao menos não conscientemente, mas sim porque
viram na paixão e atração pela mãe de seus filhos um sinal forte de que não eram gays.
A separação sempre envolve rupturas e pode trazer conflitos associados. Não é diferente para
quem se separa e se assume numa orientação homoafetiva. Ele vive esses conflitos e tem
também que lidar com suas duvidas e incertezas sobre sua própria homoafetividade. Depois
que o pai se reconhece, que aceita sua homoafetividade, ele tem o grande desafio de
reorganizar sua vida e rotina segundo esse novo jeito de ser uma família. Um dos principais
fatores que gera insegurança na separação, que pode retardar a decisão sobre o divórcio, é o
receio de ficar longe da rotina da família, de não poder acompanhar de perto o crescimento e
desenvolvimento dos filhos.
A história de Fábio, de 42 anos (filhos com 7 e 9 anos ) retrata esse medo. Ele é um pai recémseparado,
e assim que percebeu que não poderia mais estar casado com a mãe de seus filhos,
porque se enamorou de um homem, alugou um apartamento bem próximo da casa que
construiu e onde sempre viveu. Mas ele não conseguia sair dessa casa, sentia-se deprimido,
sem coragem de se decidir; sabia que teria que enfrentar a solidão, grandes mudanças e
perdas; receava o distanciamento dos filhos, apesar das duas moradias serem bem próximas.
A ex mulher - que desde que se casaram, apaixonados, sabia de sua atração por homens -
pedia que ficasse, que esquecesse sua sexualidade, tentava convencê-lo que isso era uma fase,
dizia que não deveria deixar a família devido essa situação. Ela até sugeriu que fosse se tratar,
dizia que isso era uma doença, um desvio de personalidade. Ela argumentava que ele devia à
sua família esse sacrifício. Entretanto por mais que Fábio amasse seus filhos, por mais que ele
quisesse manter a rotina familiar intacta - de antes de se envolver e se apaixonar por um
homem - ele não conseguia, não poderia, negar sua orientação homoafetiva.
Fábio até tentou. Durante mais de um ano, não assumiu seu relacionamento homossexual, não
assumiu sua homoafetividade, conviveu na mesma casa com sua família e embora sua relação
com a ex mulher fosse ficando cada vez mais desgastada, demorou muito para se decidir sair
de casa e se divorciar.
Aos poucos Fábio vai se dando conta que de fato não tem como ter as duas coisas: assumir sua
homoafetividade e ficar junto com a mulher, com a antiga família, usufruindo da mesma rotina
com os filhos. Hoje ele mora muito próximo de sua antiga casa, pega diariamente os filhos na
escola trazendo-os para sua casa (trabalha em home office grande parte do tempo), que
acabam pernoitando ali. Ele percebe que a tristeza, sua depressão, lentamente está indo
embora. Inicialmente relacionava todo seu mal estar ao medo do distanciamento dos filhos,
que na realidade não aconteceu.
A tristeza que teima em permanecer hoje é associada às perdas. Ele sente falta de tudo que
tinha, dos peixes, do jardim, da sala de estar...., fala: "sinto muita falta de estar em casa, das
minhas coisas, do que eu construí, mesmo que lendo ou trabalhando em casa e meus filhos
estarem por ali, brincando, fazendo a lição deles....".
Ele foi corajoso, não abriu mão dos filhos, não se isolou. Embora haja um vazio ele está
tentando preencher; sua vida e sua casa mudaram, e ele está percebendo que precisa
reorganizar sua rotina. O próximo desafio que ele acredita que deve enfrentar é se preparar
para conversar com os filhos sobre sua homoafetividade. Assim, quem sabe, com o
restabelecimento dessa nova ordem familiar, sua vida não fique mais prazerosa, mais familiar
e rotineira?
Essa situação, essa nostalgia e medo de perder o convívio familiar, não aparece apenas em
homens que se assumem homoafetivamente, é observada em homens e pais recém separados
que precisam reconstruir seu dia-a-dia, sua rotina. Por questões culturais, de gênero, pode ser
mais difícil para o homem, ou para a maioria deles, se organizar nessa direção.
Parece-nos que esse homem e pai precisa saber que também pode cuidar dos filhos e se cercar
de um dia-a-dia agradável, como tinha quando era casado. Com os filhos distantes vem o
desânimo, a tristeza, é como se perdesse o sentido de lar e família. Para o homem superar isso
ele precisa ir atrás de seus próprios objetivos, se cercar de um ambiente, um lar para sua
família, que seja seu e de seus filhos, mesmo que os filhos não morem sempre com ele. Ele
necessita desenvolver um jeito confortável, prazeroso. Assim, muito depressa, o que está
faltando acontecerá. Os filhos e o cuidado que como pai esse homem lhes dedica vai trazer o
que ele precisa, ou o que tanto tem medo de perder quando se separa.
A homoafetividade pode ser um elemento a mais que dificulta o homem pai se adaptar após
sua separação, entretanto tem muitas questões que podem ser organizadas para que as
mudanças não ocorram nem para ele nem para a família de forma brusca com perda de
contato. Quando a rotina na nova casa é confortavelmente restabelecida, organizada, ele e os
filhos constroem um novo jeito de conviver, se estruturam numa nova família. Outro relato, de
Alberto, nos mostra exatamente esse movimento, essa reação e conquista em direção a essa
construção.
Alberto tem 40 anos, separado há cerca de três anos, os filhos têm 9 e 13 anos; mora só, perto
dos filhos. Teve uma separação amigável e está com guarda compartilhada, o que sempre é
uma vantagem para todos. Tem bom convívio com toda família, a da ex mulher e com a sua
própria, embora nem todos saibam de sua homoafetividade, ainda. A ex mulher viaja com
frequência devido trabalho, e Alberto sempre que possível, ou quando necessário, fica com os
filhos; os filhos ficam com ele obrigatoriamente a cada 15 dias e quando querem. Sua rotina,
como qualquer cuidador (mãe ou pai) que é atento aos cuidados dos filhos, envolve atenção
para que tomem banho, façam lição, comam direito, durmam na hora adequada. Ele leva e
trás da escola, em festas, nos cursos, leva ao médico, vai às reuniões, celebrações, enfim, tudo
que todos os pais sabem que precisam fazer. Os filhos fazem parte de seu dia-a-dia,
frequentam sua casa, saem juntos, se divertem. Sabemos que muitas vezes o pai consegue ser
mais convincente com os filhos do que a mãe.
A casa de Alberto é seu lar, é o lar da família dele e sua família é ele e seus filhos. Ele diz que se
sente muito bem em casa, que adora ficar ali quando os filhos estão ou quando não estão; ali
ele sente muita paz e tranquilidade. Ele tem sim um namorado, já há mais de dois anos, que se
dá muito bem também com todos. Muitas vezes saem juntos, viajam, frequenta festas e
eventos familiares, faz companhia sempre. Embora não seja sempre que o namorado está
disposto a sair com os antigos amigos e toda a família de Alberto, o que é compreensível.
Observamos diferenças significativas nessas duas situações que relatamos (de Alberto e Fábio),
na segurança e tranquilidade com que eles vivem sua homoafetividade; essa diferença se
expressa na competência de fazer de sua casa um local de fato para sua nova família
homoafetiva. Quando ele consegue incluir os filhos, familiares, amigos e o companheiro no
dia-a-dia, no ambiente doméstico, ele consegue aquela almejada rotina familiar, que é
agradável, saudável para todos. É isso que Fabio sente que falta, é isso que Alberto prioriza e
que de fato tem.
Acreditamos que o sentimento de felicidade e de realização do pai está diretamente
relacionado à integração da homoafetividade e da paternidade. Isso é simples de entender:
não precisar fazer segredos, nem negar quem é; não ter desgaste de tempo e energia em
administrar preconceitos é uma base solida para uma vida com qualidade.
Vera Lucia Moris
São Paulo, Junho de 2016
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