Depois da Revelação; relato de uma história de vida

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A grande dúvida de todos é sempre o que acontece com os filhos depois que sabem que seus pais são homossexuais? Muitos receiam porque as crianças e jovens podem sofrer, podem ser alvo de estigma e preconceito, desenvolver problemas emocionais, terem crises de identidade; podem se afastar do pai, se envolver com drogas, enfim eles os filhos podem ter problemas... Muitos jornalista, pessoas ligadas às leis, muitos estudiosos que investigam famílias, muitos terapeutas e principalmente muitas famílias e porque não dizer os próprios pais que estão vivendo relacionamentos homoafetivos têm essas dúvidas e nos procuram porque essa é a grande questão.

Mesmo que nossa prática e a própria teoria, atestem que o melhor para os filhos é eles saberem logo; quanto mais cedo as crianças entram em contato com essa informação, mais fácil ver com naturalidade e aceitação a verdade que envolve a vida de seu pai, que diz respeito à toda família. Além do mais não existe dúvidas que para o desenvolvimento infantil a verdade, a realidade é sempre mais benéfica que segredos ou inverdades.

A despeito da psicologia desenvolver pesquisas continuadas que comprovam que a homoafetividade do pai não é prejudicial aos filhos e apesar de observarmos progressos hoje em dia com relação à maior aceitação de casais e famílias homossexuais, ainda assim existe um grande fantasma rondando essa questão. Desde o início dos trabalhos com o grupo HOMOPATER (meados de 2007), que é formado exclusivamente de homens e pais que se mantêm em envolvimento homoafetivo, a grande tônica dos conflitos, das preocupações tem sempre esse sentido. O homem que é pai e se envolve afetivamente e sexualmente com outro homem tem uma grande fonte de sofrimento: aprender a lidar de forma mais aberta e verdadeira primeiramente com seus próprios sentimentos e depois com seu receio de decepcionar e ser rejeitado por filhos, família e amigos.

O pai não quer se afastar dos filhos, nem quer perder aquele carinho e o clima agradável que envolve a rotina com sua família. Esse pai também não quer viver só, nem quer mais negar sua necessidade de envolvimento amoroso, desta vez com um homem, porque está vivendo um longo e sofrido processo de se reconhecer e se aceitar como um homem que não é heterossexual.

Muitos homens podem demorar par integrar aspectos seus de personalidade, passam muito tempo negando que seus desejos por outra pessoa de seu mesmo sexo sejam verdadeiros. Eles mesmos se desqualificam como homens, não se aceitam. Mas a partir do momento que essa auto aceitação se processa sua grande busca é viver em paz, como qualquer outro homem que constituiu uma família, que tem filhos, que se separou e que ama outra pessoa. O grande desafio do homem pai e gay é a busca do convívio respeitoso e harmônico com a família que ele constituiu; ele quer participar da educação próxima e afetuosa dos filhos tendo um companheiro ao seu lado, que seja respeitado como tal.

O relato que um dos pais integrantes de nosso e-group postou transmite com clareza e lucidez o que muitos pais e mesmo o público leigo procura saber sobre "como ficam os filhos depois que sabem que seu pai namora outro homem". Michel fez a revelação aos filhos quatro anos antes deste relato e descreve, comovido, como percebe hoje sua relação com seus filhos: refere que estão melhor do que antes, se orgulha dos passos que deu, das conquistas que teve e não se arrepende de ter tido coragem, que muito não conseguem ter, para aceitar e assumir sua orientação homoafetiva. Teve que enfrentar preconceitos, opiniões adversas, agressões, injúria, acusações, além dos próprios conflitos internos. Michel tem hoje 45 anos, é um integrantes do grupo de pais HOMOPATER e postou no nosso e-group uma mensagem que mobilizou e tocou a todos. Os nomes são fictícios para preservar a privacidade necessária, tanto do pai, como dos filhos hoje adolescentes; o relato está em sua íntegra para dar a exata imagem da emoção contida.

Amigos, procurei hoje relembrar minha revelação com meus filhos, que na próxima semana irá completar 04 anos. Hoje Alan é um rapaz de 17 anos e André está com 15; eles estão muito diferentes e amadureceram muito neste período. Fico muito feliz em olhar para trás e ver o presente: ter a certeza que fiz o certo com minha decisão em contar toda a verdade aos meninos; eles não mudaram a relação comigo ou com quem está ao meu lado, ao contrário, ficaram muito mais próximos do Ronaldo, meu antigo namorado e agora também do atual, o Augusto. Resolvi fazer um relato deste período, para vermos como nada é tão complicado como parece se, claro que levando em conta que nem todos os pais e filhos são iguais, e que cada um vive uma situação e um histórico de vida diferente. O meu, que sempre foi de viver uma vida verdadeira não poderia ser diferente. Vejo que os meninos têm suas duvidas e afirmações sobre sexualidade, devido o pai ser gay, mas em nada interfere na vida deles. Agem da mesma forma que acredito que seria se eu fosse um pai heterossexual. Alan namorou por quase 02 anos a sobrinha do Ronaldo, meu ex, e isto fez com que ele visse nossa relação ainda melhor e mais próxima. Saber toda a estória facilitou muito o nosso dia-adia, viagens, passeios e tudo que uma família pudesse fazer junto. Minha mãe ficou amiga da mãe do ex, viajaram juntas, e são amigas até hoje, mesma situação da mãe dos meninos, que se relaciona com quem está ao meu lado normalmente, com nenhum senão de reprovação.

Um ponto interessante, para quem tem filhos homens, é a preocupação deles, "será que sou gay também?". Assisti com eles o filme "As melhores coisas da vida", que sugiro a todos que ainda não viram; a situação relatada no filme (filho de viado...viadinho é) é bem real, eles acabam tendo este receio. Um outro ponto que percebo que preservam e não pretendem abrir a sexualidade do pai é na escola. Sei que eles respeitam minha homoafetividade (a minha orientação homoafetiva), têm alguns amigos que são gays na escola e percebo que lidam muito bem com isto. Mas dizer aos amigos que o pai é gay, que o amigo do pai que esta sempre por perto é o namorado dele, tem uma distância muito grande; não os recrimino por isto. O filme citado mostra bem isto e acredito que virariam a chacota da escola. Da mesma forma que preservo meu circulo profissional, é mais fácil para eles preservarem o circulo escolar, visto que nesta fase as brincadeiras entre adolescentes (questionando a sexualidade do outro) são normais.

Em relação á reação das maiorias das ex esposas, não recrimino também a falta de entendimento delas e a opção em não contar aos filhos, como a Vera (moderadora do grupo) diz, estão apenas preservando suas crias, e é normal, leva tempo para digerir toda esta situação nova. Eu mesmo que hoje tenho uma relação excelente com a mãe dos meninos, passei por isto no passado; ela era contra eu contar para os meninos, talvez por ter no fundo uma esperança de voltar comigo. Se eu não contasse para ninguém - provavelmente ela pensava - quem sabe reataria o casamento em algum momento. Também não a culpo por isto, se para mim foi difícil lidar com toda esta vida nova, imagino para quem estava ao meu lado e nunca cogitou que o marido pudesse mudar sua orientação sexual.

Hoje vivo uma relação de amizade com ela; como estou ligado pelos dois filhos que temos, sei que teremos uma relação por muito tempo. Sempre tomamos todas as decisões em relação aos meninos em comum e sempre digo a ela: não é porque nosso casamento terminou que nossos filhos precisam sofrer, ficar distantes dos pais, ou presenciar conflitos que não dizem respeito a eles. Nossa relação se expressa numa grande amizade, tenho por ela um carinho enorme, visto que é quem cuida dos meus filhos a maior parte do tempo. Como educadora realiza um trabalho maravilhoso com meus filhos e só posso admirá-la por isto; é um sentimento recíproco que percebo dela, visto dedicar meu tempo, atenção e amor aos meus filhos, como se nada tivesse acontecido (a separação e a homoafetividade não afetam a paternidade).

Fico muito orgulhoso e feliz em ver como os meus filhos confiam em mim, muitas vezes conversam assuntos sobre namoro, escola, profissão somente comigo, e não se abrem com a mãe. Até pedem para eu não falar nada para ela, temos uma cumplicidade sem igual e acredito que isto foi conquistado ao longo destes anos. Em parte talvez por levar a relação pai x filho muito mais como um grande amigo deles, um amigo sincero, leal, mas que na hora certa sabe orientar e cobrar a educação e respeito que aprendi com meus pais e familiares e que passo para eles o tempo todo.

Como sempre falo, acredito que da mesma forma que falamos de nossos problemas, precisamos compartilhar as estórias boas, ver que muitas vezes nada é tão ruim como pensamos e que o melhor remédio realmente é o tempo.

Hoje mesmo fiquei admirado, Alan veio passar o fds comigo em SP, eles estão morando em Santos com a mãe, e como meu dia hoje seria muito corrido, ele combinou de almoçar com o Augusto (meu companheiro). Como ele havia dormido na casa da minha mãe e hoje ela estava no trabalho, combinou com o Augusto dele passar lá e foram almoçar juntos. Passaram a tarde no shopping, conversaram sobre o atual namoro dele, preocupação com o vestibular ano que vem, prova do ENEM que ele fez este ano, ou seja, parecem dois amigos. Depois Augusto o deixou na rodoviária para ele tomar o ônibus para Santos. Fico muito feliz com isto, vejo que a relação dos meus filhos com os avos, namorado e meus amigos são muito tranquilas, não importam se são amigos gays, heteros, eles tratam a todos iguais.

Só posso concluir que o "balanço" destes anos todos desde que me separei, passo a passo, ano a ano, foi muito positivo. Me orgulho de olhar para trás e ver que sou um cara feliz em ter deixado um casamento onde eu não estava mais bem tampouco estava fazendo a mulher que estava ao meu lado feliz. Eu precisava mudar isto, e consegui mudar. Não vou dizer que foi fácil, como todos aqui, sofri muito, chorei, me desesperei, mas hoje vejo que fiz o correto, que estou feliz, e posso estar feliz ao lado de outro homem. Mesmo que seja contraditório para alguns esta é a minha realidade; isto é o que importa! E o mais importante, quem realmente importa para mim, os meus filhos, estão bem e assimilharam muito bem toda esta mudança. Como a Vera pontuou muito bem hoje, relacionamentos vão e vem, mas filhos não, estes são para sempre, meus pais são separados a quase 20 anos, e meu pai me diz sempre que não existe ex pai, ex mãe, existe apenas ex marido, ex mulher, filho é para sempre,e aprendi que ele esta certo, o amor pelos meus filhos é maior que tudo, e como meu filho mais velho também me disse nestes últimos anos, 'pai não importa se vc é gay, o importante é que nos o amamos e vc é nosso heroi', como bom pai coruja que sou, me encho de felicidades nesta hora, os abraço e choro, como agora mesmo terminando esta mensagem, este email, vejo como a vida é boa comigo e procuro retribuir tudo que recebo, não tenho nada para reclamar, apenas a agradecer, pelos meus filhos maravilhosos, minha família, meus amigos, e principalmente a Vera e o Edson, que tanto me apoiaram logo que entrei no grupo, na minha visão era a gotinha que faltava para eu na época me revelar aos meninos, tanto que em alguns meses o fiz, e hoje vejo como foi muito gratificante.

Muito obrigado Vera e Edson (moderadores do grupo de pais), não vou citar os amigos aqui, para não ser injusto com alguém que possa esquecer, ou que de alguma forma não sejam tão próximos de mim como alguns do grupo, pessoas que aprendi a admirar e gostar muito e que presenciaram muito do que relato aqui. Acredito que as recentes estórias de revelação deste nosso grupo, e até as outras estorias de quem que não contou aos filhos ainda, mas que tem se envolvido em situações do dia a dia com o companheiro, que também acabam mostrando aos filhos sua orientação porém de uma forma mais reservada, me deixaram nostalgico. Isso tudo talvez me mobilizou e resolvi escrever este relato a todos, para relembrar alguns momentos que vivi e compartilhar com vcs.

Me orgulho também de ver a reconstrução do relacionamento do Carlos José com os filhos, depois de presenciar a chegada dele arrasado no grupo quatro anos antes. É otimo poder ver hoje como ele esta muito melhor, a proximidade com os filhos, mesmo que aos poucos ainda, mas que na minha opinião hoje isso está refletido em tudo a sua volta, na nova casa montada, linda e aconchegante e até na encenação do novo ator "global" no CCBB. Sucesso amigo torço por vc...quero te ver logo logo no Municipal.

Muita paz, amor e felicidade a todos nós pais e desejo que aos que ainda se sentem fragilizados ou com receios em relação ao processo de revelação se sintam fortes com os depoimentos que vimos ao longo deste grupo.

Bjs e boa noite!
Michael


Relato postado no email do "e-group homopater" em novembro de 2011.

Vera Lucia Moris
São Paulo, março de 2014

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