Preciso falar de minha homoafetividade? Com quem? Será que meus filhos não
Irão sofrer? Até quando devo guardar segredo sobre isso?
Revelar ou guardar segredos?
Não é uma decisão fácil, para um pai, escolher contar ou não contar sobre a
própria homoafetividade; isso tem a ver com a própria segurança sobre sua orientação
homossexual, com o estágio de auto-aceitação e também com a ampliação dessa
segurança à medida que ele vai se sentindo aceito por outros de sua rede.
Ele tem que se assegurar primeiramente que está tranqüilo consigo mesmo e
com sua homoafetividade, ele precisa antes de tudo se aceitar, para depois falar de si
mesmo para outros.
Contar, ou não contar, para quem, quando, como e porque é um dilema que os
pais sempre se deparam. Não existe uma só forma, uma só maneira de fazer a revelação;
também não existe regra sobre ser necessário falar para familiares, amigos, no trabalho
e para filhos. Cada um deve construir sua maneira de lidar com essa situação, que é
bastante especial, e que requer que seja bem pensada e planejada a forma ou
necessidade de haver ou não uma revelação.
Os filhos, que são a maior preocupação dos pais, podem ser os mais atingidos
pelo silencio ou segredo da homoafetividade, mas podem também ser atingidos por uma
revelação abrupta, invasiva e desrespeitosa. O planejamento e estratégia envolve saber
portanto quais as condições mais favoráveis para conversar com o filho. E isso quem
precisa avaliar é o pai.
Muitos pais quando percebem que podem atingir seus filhos, quer fale ou quer
não fale sobre sua orientação homossexual, sentem-se culpados e chegam às vezes a
apresentar sintomas de ansiedade ou depressão acentuados. Eles se vêem causadores de
rupturas na família devido essa necessária decisão de assumir sua homoafetividade, até
então esquecida, omitida ou não reconhecida.
Os segredos são perigosos porque guardam informações importantes!
Não é errado um homem que é pai ser homossexual, mesmo porque não é uma
escolha dele. Se manter em relacionamento homoafetivo requer que essa verdade seja
dita, que as pessoas importantes da vida desse pai saibam disso. Infelizmente muitos
pais por medo do que irão enfrentar, e como dissemos antes, porque talvez não estão
seguros de sua homoafetividade ou não se aceitaram ainda, acabam se restringindo a
relações físicas com o mesmo sexo às escondidas e por isso fugazes, esvaziadas e
insatisfatórias. Eles não conseguem se assumir e portanto não têm o que revelar. Vivem
sua homossexualidade em segredo porque se envergonham do que são e temem o
preconceito - é a homofobia social e interiorizada atuando contra a plena realização da
homoafetividade.
Alguns pais questionam se a revelação é mesmo necessária, mas sabemos que
segredos nos fazem refém e podem ser usados como ameaça na relação entre pais e
filhos. Cada um sabe avaliar com quem deve compartilhar esse segredo ou essa
privacidade. Saber com quem e como falar é um processo pessoal e não se encerra numa
receita simples de "contar o que para quem em tal hora e de tal jeito".
Manter segredo sobre a homoafetividade não é o caminho mais fácil, embora seja o
mais adotado num primeiro momento até que o pai, que se assume, se organize e
planeje sua revelação.
É comum o homem que está se assumindo manter alguns aspectos de sua vida,
de sua história no âmbito da privacidade ou mesmo em segredo. Até que ele se sinta
confortável com sua orientação e com sua forma de se relacionar homoafetivamente.
A coragem de enfrentar a própria natureza homoafetiva, de ser sincero com os
próprios sentimentos e desejos direcionados ao mesmo sexo, pode promover
crescimento, amadurecimento e acima de tudo relações familiares mais próximas e
afetivas, incluindo a ex-esposa, porque houve priorização do respeito. Essa coragem é
dignificante e enaltece a própria realidade de ser um homem, que é pai e gay, que se
respeita e não se envergonha do que é. Esse sentimento é um passo importante e
necessário para a auto-confiança e segurança pessoal, pois o orgulho de si mesmo, de
ser quem é tem seu corolário na vergonha de si próprio.
Passos da revelação
A revelação da homoafetividade por parte do homem que é pai e que tem
envolvimento homoafetivo é um lento e longo processo. Passa primeiramente pela
necessidade de aceitar-se, assumir-se para depois revelar de forma paulatina para outras
pessoas de seu circulo afetivo, como amigos, familiares, filhos. A auto-aceitação dos
próprios aspectos homoafeitvos é um processo interno, geralmente lento e sofrido de
enfrentamento dos medos e temores. Ele está desafiando os padrões sociais e até mesmo
internos para um homem e pai, à medida que ele assume ser "um homem não
heterossexual".
É certo que existe um impacto da revelação da própria homoafetividade na vida
de todo homem que é pai. Mas esse impacto pode ser diferente em cada história porque
depende da relação que construíram com sua ex-mulher, (para os que são separados da
mulher que é a mãe de seus filhos). Se esta foi pautada no respeito mútuo e
companheirismo é possível manter o clima amistoso após a separação e revelação; na
relação que estava conflituosa antes da separação e revelação pode ser mais difícil
administrar o nível de stress após o divórcio e revelação.
Outras situações podem ser muito diferentes quando a paternidade não é
biológica, ou quando não existe a mãe da criança e ex-companheira daquele pai que se
assume num relacionamento homoafetivo.
Assim os segredos são mais impactantes quando se associam à uma vida dupla,
ou camuflada, que ficou muito tempo escondida porque envergonha ou não é aceita.
Mas a homoafetividade não é algo que envergonhe ou que não possa ser mostrada, se
entendermos que não existe absolutamente nada de errado com essa forma de viver, de
ser pai.
Revelar a homoafetividade para os filhos.
Devo falar, porque?
Existem inúmeros argumentos que circundam nosso imaginário. Muitos pais
pensam que se a nossa sexualidade é da esfera do privado, ela se refere a nós próprios à
nossa intimidade, daqueles que estão envolvidos naquela relação, portanto não é
pertinente e nem necessário falar para os filhos sobre isso. Outros argumentariam que
não é necessário explicar, que não se vê ninguém heterossexual tentando explicar aos
filhos que gosta do sexo oposto, sendo esta sua forma de amar, de se relacionar,
portanto não vê motivo para um pai gay falar sobre isso com seus filhos, só porque não
é heterossexual. Mas então seria necessário falar? As atitudes, o comportamento, não
são formas de falar sobre si? Então porque contar?
A revelação da homoafetividade - da homossexualidade ou da relação amorosa
com o mesmo sexo - por parte do pai é um processo que depende exclusivamente da
relação que foi construída com os familiares e principalmente com os filhos. Existe sim
um significado para que o pai entenda ser necessário fazer segredo ou revelar sua
homoafetividade ao filho, ou a quem ele considera importante conversar sobre esse
aspecto de sua vida. Para alguns homens é importante, necessário, embora muitos não
saibam muito bem como, quando, onde e de que forma deverá fazer a revelação. Outros
pais ao contrário não vêm que seja necessário faze-lo. O que diferencia e sinaliza é
sempre a situação em que essa necessidade aflora.
Segundo a psicologia e outras ciências voltadas à saúde e às relações humanas,
como a sociologia, antropologia, contar é sempre positivo, entretanto essa revelação
nunca é pontual, requer uma estratégia que vai considerar o como, quando, aonde e de
que jeito, que para cada família, cada pessoa, cada situação é diferente; a regra comum é
quanto mais cedo melhor.
A lealdade entre pais e filhos é sempre o melhor caminho para relações
saudáveis. Sempre que as bases das relações são claras e conhecidas, por mais difícil e
tortuoso que seja seu caminho, os ajustes podem ser alcançados; problemas e conflitos
podem ter soluções promotoras de crescimento e imprimem qualidade nas relações
familiares. A sexualidade é individual, ninguém discute sobre isso com seus filhos. Mas
quando aspectos de nossa sexualidade refletem a esfera de terceiros como é o caso da
homossexualidade, os filhos fazem parte dessa dinâmica e também estão inseridos nessa
realidade, portanto eles devem saber que a sexualidade de seu pai não é heterossexual.
O fato do pai revelar sua homoafetividade ao filho não implica que o filho pode
interferir em sua sexualidade, mas isso também não pode ser um obstáculo à relação
entre pai e filho, tampouco deve ser um tabu, algo intocável, mantido distante pelo
segredo.
Todos os pais que falaram com os filhos referem um extremo alívio e sentimento
de segurança, que a relação ficou melhor. Por outro lado os pais que não falaram e os
filhos já adolescentes souberam por terceiros referem muitos problemas, conflitos e
sofrimento que abalaram a confiança dos filhos
Falar com filhos implica em se preparar. Quem mais vai ter que saber? Conto
para meus pais? Minha ex-mulher precisa saber?
Revelar ou manter em segredo a homoafetividade? Contar para os meus filhos
ou deixa-los perguntar? Não quero que meus filhos sofram; é decisão minha seguir a
minha orientação homossexual e não deles. Falar que sou gay, homossexual? Mas eu
não me identifico com essa palavra... Se eu falar eles não irão entender, eles são
pequenos... Não acredito que seja necessário falar, ninguém fala com quem transa,
quando transa. Não posso falar porque a mãe deles não quer.
Quero falar! Qual a idade? De que forma cai melhor, o que devo dizer, em que
momento, como preparar os filhos para conversar? Ensaio falar e na hora me dá um
branco e não sai! Tenho receio do que eles podem pensar sentir e não sei lidar com isso.
São inúmeras as dúvidas que atormentam os pais que se mantém em
envolvimento homoafetivo, quer decidam falar, quer relutem porque não estão ainda
convencidos que é mesmo a melhor atitude.
O caminho que deve ser percorrido por um homem com filhos, que se divorciou
e hoje tenta assumir sua vida como homossexual é bastante complexo e não envolve
apenas viver como homossexual em segredo ou decidir revelar essa orientação. Esse
homem precisa rever todas as premissas internas e sociais que o sustentavam como
homem e como pai. Não é de repente que alguém se vê e decide se aceitar e se assumir
um gay; também não será de repente que outras pessoas te aceitarão. Se fosse assim
fácil, simplesmente contar "sou gay, vou viver essa minha verdade" e com isso mudar
de vida, sair de casa e "se jogar" na vida homossexual, ninguém sofreria e ficaria
inseguro, tampouco teria guardado segredo até o momento.
Isso pode ter repercussões complicadas na vida de todos e é importante estudar
planejar, considerar a melhor maneira de revelar sua homoafetividade àqueles que lhe
são caros e importantes. Isso é uma decisão sua. Pode não ser necessário que algumas
pessoas de sua relação saibam dessa sua verdade ou que aceitem você. Pode ter outras
pessoas que não lhe interessa ter por perto, se não te aceitam. Entretanto se até hoje
você viveu com seus filhos, se conviveu de forma respeitosa e harmoniosa com os
familiares, com sua ex-mulher, certamente você vai querer que eles entendam te aceitem
e não sofram com as mudanças que você se propõe encarar na sua vida. Afinal esta não
é uma realidade da qual você deva se envergonhar que deva esconder; não é errado ser
um homem que é pai e que mantém envolvimento homoafetivo.
Veja a seguir esses sentimentos e o caráter de valorização pessoal que essa
situação aqui exposta remete no depoimento de um pai (40 anos; filhos 13 e 15 anos)
divorciado que já conversou sobre sua homoafetividade com todos familiares e amigos
que lhe são caros e importantes:
Aprendi muito nestes últimos 6 anos, cresci e amadureci, e mudei muito a
forma de ver a vida. Antes tudo era muito difícil, pesado carregado, até mesmo pelos
conflitos para tentar mudar minha vida toda, rever todos os conceitos e pré-conceitos
que tinha de relacionamentos, da vida hetero, da vida gay.
Sou gay, e daí? ....não mudamos em nada, continuamos pais e homens, a
opção por se assumir gay (por assumir essa orientação, que não é uma opção) não
altera em nada esta condição, continuo sendo o mesmo pai de caráter amoroso e
atencioso, e talvez ainda mais atencioso do que era antes, sem o peso de uma relação
em que eu estava insatisfeito. Insatisfeito não pela mãe dos meus filhos, mas sim por
querer outro tipo de prazer, outro tipo de relação que ela nunca iria me dar.
Conversei muito com ela a respeito disto, pedi desculpa e deixei claro que,
tanto eu quanto ela, deveríamos seguir nossos caminhos; somos jovens, não seria
difícil construir um novo relacionamento e sermos realmente felizes. Lembro de dizer
várias vezes a ela, "você é uma mulher nova, bonita, feliz, merece ter um homem que
a deseje todos os dias, que tenha prazer e a satisfaça plenamente na cama, eu
infelizmente não posso mais te dar este prazer".
Seria muito egoísmo de minha parte manter um casamento de aparências
para a sociedade, seria fácil pra mim e para muitos daqui levar uma relação falida, e
dar seus pulos por aí na rua buscando relações genitais, e satisfazermos nossas
necessidades mais primárias, mas e a esposa como ficaria? Sempre foquei muito isto,
tanto eu quanto ela tínhamos necessidades e elas precisariam ser supridas. Foram
anos difíceis, mas hoje, tanto eu quanto ela, estamos mais felizes, mais leves, e isto
com certeza reflete no relacionamento com nossos filhos. São filhos maravilhosos
que amo de paixão, mais do que qualquer outra pessoa neste mundo, e deixo claro a
eles. Digo sempre e expresso este amor: "papai ama vocês muito", e sempre sou
retribuído com isto.
Amigos lutem por isto, todos aqui são pai e homem, nossa opção de ser gay em
nada altera isto, dormir e transar com outro homem não nos faz menor ou inferior a
ninguém, e se tem algo hoje que não admito em minha vida é ser considerado inferior
a outro pai, ou mãe, pela minha condição sexual, não mudei em nada, continuo o
mesmo filho, o mesmo funcionário da...., o mesmo amigo, o mesmo pai, o mesmo exmarido.
Em nada, dormir com outro homem nos diminui perante ninguém, muito
menos aos nossos filhos..., continuamos os mesmos progenitores e mantenedores que
sempre fomos...
Continuem amando seus filhos, e dêem tempo ao tempo, somente não se
coloquem no lugar de vitimas, de inferiores, porque não somos, lutem, tirem força e
assumam esta nova vida... Tenho a certeza que cada um de nós será muito mais feliz
num futuro próximo..., estou colhendo os frutos que plantei nestes últimos anos...,
então arregacem a manga e vamos à luta!
Vera Lucia Moris
São Paulo, Junho de 2016
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