"Um pouco sobre homens, pais e gays"

Images Considerações sobre relacionamento amoroso masculino; vantagens X desvantagens de morar junto.

O presente material é o resultado das discussões de um grupo de homens que se entende homossexual, que são pais e que em sua grande maioria teve ao longo de sua vida pregressa relacionamento conjugal com a mãe de seus filhos, apenas um deste grupo de 11 homens é pai adotivo. Alguns deles hoje são ou foram casados com homens, outros namoram há algum tempo e alguns deles moram junto com seu companheiro. Elencamos primeiramente as VANTAGENS de morar junto pensando naquilo que é um  ganho e uma conquista, o poder dividir sua rotina diária com alguém que você gosta.  Coabitar, ter diariamente a companhia de quem se gosta pode ser facilitador do encontro amoroso, do convívio, o que pode promover uma rotina diária positiva, mais próxima favorecendo e fortalecendo o casal. Pode auxiliar conhecer de fato o outro, seus gostos, seu jeito, estabelecendo uma parceria e cumplicidade, mantendo e fortalecendo a união. O apoio emocional, a camaradagem, o companheirismo podem emergir nos momentos de troca diária. 

Compartilhar vida em comum pode ser uma oportunidade de exercitar o altruísmo, de respeitar o direito do outro e suas diferenças, exercendo assim a conjugalidade de fato, favorecendo maior ganho de intimidade fortalecendo a resiliência no enfrentamento dos maus momentos e assim crescendo com eles. Ou seja, pode ser oportunidade de enfrentar e lidar com os estressores e limitadores do relacionamento. A vida doméstica rotineira oportuniza ainda uma otimização na divisão de tarefas e despesas. É econômico, mais simples, compartilhar e dividir. Isso, quando se trata de dois homens, pode ser uma oportunidade de encontrar outros padrões relacionais, mais complementares, respeitando as individualidades sem necessariamente adotar e reproduzir modelos tradicionalistas hierarquizados que podem não se adequar para a realidade de um casal homoafetivo. Não há padrão, não há função nem papel pré-escrito, cada um pode se adequar ao que lhe convier e melhor se identificar na rotina doméstica do casal.

Nesse sentido, para quem é homem e pai, vivendo um relacionamento amoroso homoafetivo é oportuna, senão necessária, a reconstrução dos vínculos familiares num modelo próprio de família, não mais heteroafetivo, em conformidade com sua família, hoje homoafetiva. Possibilita, portanto, a troca de apoio mútuo nos desafios do enfrentamento do preconceito da sociedade, da comunidade e da família em geral. A oportunidade de viver relações familiares verdadeiras, saudáveis ainda que fora do padrão heteronormativo, confere às relações um toque agradável de pertencimento e normalidade. Essa é condição necessária para os pais, para os filhos, bem como para a família estendida e pregressa.

O estar próximo de quem se ama, favorece o estabelecimento de uma forte identidade de casal homoafetivo, possibilitando até mesmo o exercício dos direitos da legalidade com a situação conjugal, para quem assim desejar. Estar presente na vida do outro, e vice versa, é ser capaz de amar, e como diz um dos pais é...”viver a plenitude que uma vida integral oferece, sem mentiras e sem segredos. Cuidar do outro e se deixar cuidar  É enfim crescer com as diferenças e repousar nas semelhanças”.  


As desvantagens de morar juntos parecem refletir um pouco – como era de se esperar – a antítese das vantagens, como se pudesse dar errado ou estragar aquilo que o casal não sabe ou não consegue viver como algo bom. Parece-nos se assemelhar a um enfastio, um ranço, daquilo que é bom demais e portanto causa certo enjoamento e cansaço. A falta do espaço individual pode dificultar o ficar tranquilamente sozinho quando assim o desejar.  Assim, pode ser desgastante e levar a insatisfação, cair na rotina de casal. Encontrar todos os dias, sem surpresas, sem saudade, cair na monotonia do convívio.

As diferenças individuais podem ser fonte de contrariedades e estressores diários acirrando os confrontos que maculam a tranquilidade do convívio, gerando grande desgaste na relação. Por outro lado, não se posicionar quanto aos seus direitos e limites, não exercer a complementaridade é um risco para a harmonia do casal.  A contínua necessidade de ceder, ultrapassando os próprios limites, para evitar confrontos (por vezes necessários), e altercação pode gerar perda de autonomia e individualidade, trazendo de qualquer forma dificuldade na relação rotineira. Conviver junto diariamente e não saber lidar com os estressores da relação amorosa pode ser uma grande fonte de conflito.

Viver junto com seu parceiro homoafetivo e não saber lidar com os desafios de forma construtiva saudável e complementar pode realçar padrões doentios de dificuldades relacionais. Pode emergir o egoísmo individualista, dificuldade em dividir seu espaço e compartilhar,  podendo acirrar sentimento persecutório de viver sob ameaça e invasão de individualidade, instalando assim uma relação doentia abusiva. Podem emergir conflitos financeiros relacionados a esse sentimento de ser invadido e ameaçado, um fica no papel do que é usurpado, usado; o outro do egoísta abusador. Ou seja, pode assim favorecer a instalação de relações perigosas e perversas de controle e manipulação. 

Ter se submetido por muito tempo aos padrões heteronormativos que regem a vida de casais, famílias e sociedade como um todo, pode engendrar dificuldade na desconstrução da imagem internalizada de família e casal heterossexual, mesmo de forma inconsciente. A tendência seria repetir a relação esvaziada, insatisfatória da sociedade tradicionalista homofóbica que prescreve o que seria o lugar do homem. Ou seja, há o risco de tentar repetir padrão heteronormativo por não saber lidar e viver relacionamento homoafetivo. 

Não conseguir lidar com os fatores estressores e limitadores do relacionamento, pois são diversos os enfrentamentos necessários e o casal pode sucumbir e não superar: o preconceito existente em relação ao casal homoafetivo; exercer a complementaridade nas relações de casal; não saber dividir seu espaço, exercer o convívio com a coletividade; ceder ao risco de optar por morar junto pelo medo de ficar sozinho; pela carência correr o risco de se doar muito.

Ter filhos de relações anteriores pode dificultar a construção e conciliação satisfatória de uma relação de casal futura, visto que a rotina dos filhos interfere na vida do casal. Se não houver da parte do par amoroso paciência, respeito e empenho pessoal isso pode ser bastante desafiador; pode se difícil conciliar a relação do casal com os filhos e parceiro.  Os filhos que passaram pelo divórcio de seus pais e que tiveram que aceitar a homoafetividade do pai podem estar com seus conflitos pessoais e podem apresentar dificuldade na triangulação, ou seja, na aceitação de uma terceira pessoa neste momento.

O convívio diário do casal estará portanto consignado a uma árdua construção do bem estar e harmonia que estará diariamente sujeita às individualidades e suas relações dessa família, agora homoafetiva. Se o parceiro não for pai ou se estiver em outro momento do ciclo vital (mais jovem ou mais velho) isso pode ser bem complexo, ele pode se sentir ameaçado e relegado a um segundo plano. E se o parceiro também for pai, outros estressores como diferenças na idade dos filhos e demais situações complexas podem pipocar na diversificada arena relacional que se instala.

Uma última desvantagem, mas nem tanto, se for aceita como uma oportunidade – pois seu enfrentamento envolve crescimento – é a rejeição pelo preconceito familiar e social. Um dificultador para casais que optam por morar juntos pode ser a própria questão do enfrentamento de sua homoafetividade e o quanto cada um desse casal já está convivendo de forma harmoniosa, ou ainda conflituosa, com sua própria sexualidade. Se um deles ainda estiver vivendo segredos e dificuldade de se revelar pode ser difícil o convívio como um casal homoafetivo. Conviver com alguém que se escolhe como par amoroso é uma proposta de se assumir, socialmente, familiarmente, uma exposição. Caso contrário é o perigo de viver com segredos que sempre são danosos, perniciosos e destrutivos para relações afetivas. 



HOMOPATER
Vera Moris
São Paulo, abril de 2021

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